segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O fértil Cine São Luiz


 A maravilhosa sala do cineteatro São Luiz.

 .Hall de entrada com mármore de Carrara e lustres de cristal Tcheco.

Fachada do cinema na praça do Ferreira, Centro de Fortaleza.

Publicado originalmente no site da Revista Ideias, em 12 de agosto de 2016.
  
O fértil Cine São Luiz.
Por José Augusto Jensen. 

Luiz Severiano Ribeiro foi o maior exibidor brasileiro na época dourada do cinema, ou seja, os anos 1930, 1940 e 1950. Cobria o norte, nordeste e a capital federal, na época, o Rio de Janeiro. Seu filho e seguidor, Ribeiro Júnior, entrou na sociedade da Atlântida, produzindo filmes, distribuindo-os e criando um laboratório de processamento e revelação. Fechava o ciclo do que se chamaria de indústria cinematográfica brasileira e configurava, segundo a crítica da época, um grande monopólio. Criariam o maior fenômeno das telas brasileiras: as chanchadas da Atlântida.

Os números impressionam. “O homem do Sputnik”, de 1959, dirigido por Carlos Manga, foi assistido por 15 milhões de pessoas, quando a população brasileira era de 60 milhões. Poderia citar muitos outros sucessos, além dos cinejornais semanais e documentários produzidos. Apesar de inúmeros cinemas enormes e de alto luxo, Severiano Ribeiro resolveu presentear a cidade em que se firmou como empresário, Fortaleza, recomendando aos arquitetos e projetistas: “Quero em minha terra o cinema mais luxuoso do Brasil e não apenas do Ceará”. A construção levou vinte anos, pois tinha como principal obstáculo as precariedades da segunda guerra mundial, com grande parte do material usado importado, como mármores de Carrara, pisos e esquadrias, lustres da Tchecoslováquia, equipamentos de ar-condicionado e o melhor para a projeção e som. Foi inaugurado em 26 de março de 1958 com o filme “Anastácia, a princesa esquecida” (Anastacia), com Ingrid Bergman, Yul Brynner, direção de Anatole Litvak, produção Fox de 1956.


Com a deterioração do centro da cidade e a proliferação das pequenas salas nos shoppings, o espaço acabou sofrendo e fechou, apesar de tombado em 1991. Em 2007, a empresa entrou em acordo com o SESC, mas com os equipamentos desatualizados e precários, acabou não dando certo. Em 2009, a Igreja Universal ofereceu à empresa Severiano Ribeiro R$ 1 milhão pelo cinema e prédio. Houve mobilizações de setores cearenses, e o grupo Severiano Ribeiro, no intuito de preservar o imóvel e sua finalidade cultural, vendeu-o ao Estado do Ceará por 3 milhões de reais. O grupo continua atuante em shoppings, no formato multiplex stadium, apesar da entrada agressiva no mercado das empresas estrangeiras.

Após dois anos de reformas e a um custo de 17 milhões de reais, reabriu como Cineteatro, em 22 de dezembro de 2014. Foi equipado com tela móvel de exibição, caixa cênica reestruturada, camarins, fosso da orquestra, equipamentos de sonorização e iluminação para teatro, dança e música. O projetor digital instalado para cinema é da empresa Barco de 2k e a sonorização para filmes Dolby 7.1, com caixas JBL. Com acessibilidade para deficientes e mais espaço entre as poltronas, o número de lugares ficou com um pouco mais de mil poltronas. O edifício acima do cinema abriga a Secretaria de Cultura e da Ciência e Tecnologia. Espaço magnífico, cumpre importante função cultural na vida de Fortaleza e é peça importante na revalorização do centro da cidade.

Além de abrigar o Cine Ceará, Festival Ibero-americano de Cinema e outras mostras, o cineteatro tem extensa programação regular, como Clássicos São Luiz, com filmes de Fellini, Bergman e outros, tem ênfase em produções brasileiras, europeias, enfim as chamadas alternativas. Na função de programador, Duarte Dias tem dificuldades com as distribuidoras devido ao baixo preço dos ingressos: R$ 6,00 a inteira e R$ 3,00 a meia, dificultando a negociação com as produções desejadas, apesar do número de poltronas.

Julho teve extensa programação de filmes infantis, além das sessões especiais para alunos de escolas públicas durante o ano letivo. Tudo visando à formação de público, que como escreveu a Adriana Sydor, em artigo desta revista: “Uma política pública de cultura séria não tem editais de financiamento de projetos até de capitalização de artistas como ponto central de seu texto. Política pública de cultura tem que envolver formação de plateia, educação, informação, conhecimento. Tem que se relacionar mais com a população do que com os artistas.”


Imagine, Adriana, eu estava no cineteatro São Luiz em 26 de junho, um domingo, e fui ao que eles chamam de sessão sonora com início às 16 horas. Começou com a exibição do documentário “O homem que engarrafava nuvens”, contando a trajetória do compositor cearense Humberto Teixeira, que fez dupla e ficou à sombra do mais conhecido Luiz Gonzaga. Produzido pela filha Denise Dumont, conta com a participação de diversos cantores, depoimentos e gravações em arquivo. Dirigido por Lírio Ferreira, tem duração de 100 minutos, projeção e som da mais alta qualidade. Após, Denise foi entrevistada e anunciou a doação do acervo da família ao Museu da Imagem e do Som do Ceará. Então a enorme tela subiu e, no palco, um show abrangendo músicas de Humberto Teixeira com um grupo da cidade. Foi muito emocionante vermos no documentário imagens do interior do estado e seus cantadores. Preço do extenso programa: R$ 20,00 a inteira e R$ 10,00 a meia.

A secretaria ainda mantém o Centro Cultural Dragão do Mar, na praia de Iracema, enorme espaço para exposições e mais duas salas de cinema, cafés, lojas, restaurantes e o planetário.

Algo parecido aconteceu com o Cine São Luiz em Recife, também mantido pelo Estado de Pernambuco, apresentando extensa programação de filmes, com ênfase no cinema nacional.

Voltando à terrinha, ainda ouço a notícia de que o governo do Estado do Paraná quer vender, por motivos inconfessáveis, o único espaço que restou dos cinemas da capital, o Cineteatro Vitória, transformado num pequeno e mixuruca centro de convenções, alegando que é deficitário. Realmente, a pequenez cultural e mental da qual dependemos neste governo nos torna mendigos à espera de eventos ou simples filmes não comerciais, que não encontram espaço nesta combalida Curitiba. Vergonhoso. Já que o imóvel pertence ao Estado, já estaríamos com mais de meio caminho andado para a transformação do espaço. Ou não merecemos nem uma pequena parte do que os cearenses, pernambucanos e outros cidadãos brasileiros desfrutam?

Texto e imagens reproduzidos do site: revistaideias.com.br

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