terça-feira, 29 de agosto de 2017

A reunião de cinéfilos da intelligentsia curitibana

 A sala do Cineclube Pró Arte, já como Riviera Cinema de Arte, 
aberto em 1967: após a reforma espaço ganhou cadeiras estofadas e banheiros

 Programação do Cineclube Pró Arte: opção por filmes de qualidade.

 Cartazes de Um Dia, Um Gato, que inaugurou as sessões no Riviera.

Iwersen com o cartaz original de um filme de Jean-Luc Godard, 
exibido no cineclube.

Publicado originalmente no site Gazeta do Povo, em 23/02/2013

A reunião de cinéfilos da intelligentsia curitibana

Cineclube Pró Arte, que funcionou há 50 anos no Colégio Santa Maria, reuniu vários intelectuais da cidade; história que fotógrafo pretende registrar em livro

Por Isadora Rupp.

Num auditório com pouco mais de 300 lugares, nem os bancos duros de madeira atrapalhavam, na década de 1960, cinéfilos encantados com filmes do italiano Federico Fellini e do francês François Truffaut projetados no Cineclube Pró Arte, que funcionou, há 50 anos, em um espaço do Colégio Santa Maria. Era a maneira de fugir da programação dos outros cinemas de Curitiba, dominada por produções oriundas dos grandes estúdios americanos. O escritor Paulo Leminski e o cineasta Sylvio Back costumavam aparecer. Uma dezena de jornalistas que incluía o crítico de cinema e música Aramis Millarch eram presença garantida.

“Era, digamos, a intelligentsia da cidade que ia lá, mais as pessoas de fora que, como eu, queriam aprender”, conta o fotógrafo Dico Kremer, que era aluno do colégio. Foi no cineclube que ele teve o primeiro contato com Leminski, de quem virou amigo depois, e onde conheceu o livreiro Aristides de Oliveira Vignolis, dono da Livro Brás. “Ele era do Partido Comunista, e muito debochado. Compramos muita coisa dele.”

Do começo informal das sessões, com projeções feitas pelos Irmãos Maristas esporadicamente, mais especificamente pelo Irmão Ruperto Félix, que era o fotógrafo da escola, surgiram alunos engajados a incentivar ações culturais, entre eles José Augusto Iwersen, que integrava o Grêmio dos Alunos do Santa Maria (GASM) e presidiu o cineclube. “A maneira que vimos para desenvolver o gosto dos alunos por cinema foi realizar sessões com debates. A coisa evoluiu quando a direção do GASM convidou estudantes e professores de outros colégios, e as meninas do Sion e do Divina Providência. Assim, as projeções tornaram-se abertas ao público”, relembra Iwersen.

Para frequentar o cineclube, era necessário pagar um ingresso ou tornar-se sócio do Pró Arte, mediante pagamento de uma taxa mensal. “Surgiu um estatuto e pessoas responsáveis por cada setor. Tinha um supervisor escolhido entre os Irmãos Maristas para cuidar da entrada quando o filme tinha censura de mais de 14 anos e da limpeza”, explica Iwersen.

A qualidade do conteúdo projetado (filmes de Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Louis Malle, entre outros), que Iwersen conseguia basicamente em uma filial da França Filmes (que existia na Praça Tiradentes) era inversamente proporcional ao espaço físico: os assentos eram de madeira, a “única coisa chata”, segundo Kremer, e não existia banheiro. Quem se apertava tinha de correr para as “casinhas” do Santa Maria, que ficavam em outro andar.

Erros na projeção e troca de um rolo de filme por outro eram comuns. “Afinal, um dos projecionistas era o extravagante Estevão Erwin Von Harbach. Brigas e expulsões quando haviam debates eram comuns”, diz Iwersen. Em uma ocasião, Dico Kremer foi ao cineclube rever 8 ½, de Fellini. “Logo percebi o erro. Como eu tinha acesso à cabine, fui até lá e disse que ele havia se enganado, e começamos a bater boca. Até que ele respondeu que, para aquele filme, não importava se o rolo estivesse trocado ou não (risos).”

Riviera

Com o sucesso crescente das sessões foi oferecido para Iwersen a gerência do espaço (que seria arrendado por outra pessoa, que acabou desistindo) e aberta uma porta direta para o cinema, na esquina das ruas Marechal Deodoro e Tibagi. Ele então fez um contrato com a MC Filmes, de São Paulo, que lançava produções tchecas no Brasil, e uma reforma geral no cinema, com troca por cadeiras estofadas, levantamento do piso para melhor visibilidade e, claro, banheiros. Surgia o Riviera Cinema de Arte, em 1967. “O lançamento de Um Dia, Um Gato [do tcheco Vojtech Jasny] deixou o cinema cheio por quase três meses”, recorda.

Porém, os bons tempos do cineclube não persistiram, mesmo com algumas iniciativas de trazer atores famosos para debater filmes (Glória Menezes e Leonardo Vilar vieram para discutir O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte), e o Riviera fechou poucos anos depois. “Como não me interessava em exibir filmes comerciais resolvi encerrar as atividades. Uma coisa ficou clara: cinema de arte precisa de sala pequena”, conclui Iwersen.

Registro

O fotógrafo Dico Kremer pretende reunir em um livro os materiais que têm sobre o Pró Arte e o Riviera. Faltam agora depoimentos de antigos frequentadores, e não há prazo definido para publicação. “Acredito que essa história tem de ser escrita, o cineclube teve um papel muito importante na formação para quem frequentou. Aquilo foi uma aula de como ver o cinema.”

Texto e imagens reproduzidos do site: gazetadopovo.com.br

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