terça-feira, 15 de agosto de 2017

Os dias de glória do cinema poeira



Publicado originalmente no site Webinsider, em 01 de dezembro de 2012.

Os dias de glória do cinema poeira

O cinema "poeira" teve seus momentos de importância na vida do fã de cinema de outrora. E a sua lembrança pode facilmente ser revivida nos dias de hoje, com a mídia disponível ao usuário.

Por Paulo Roberto Elias 

A minha geração e as que me antecederam frequentaram salas de exibição classificadas como “cinema poeira”, ou ainda “poeirinha”, como muitos gostavam de chamá-las.

A ida ao cinema poeira não era somente falta de opção, ao contrário: naquela época, o relançamento ou reprise de muitos filmes nos cinemas lançadores acontecia ocasionalmente. Em outros aspectos, o cinema poeira preenchia um vazio dos outros cinemas: a exibição ostensiva de filmes da chamada “classe B”, aqueles cujos estúdios davam uma importância de produção menor.

O filme classe B não é necessariamente ruim. Na verdade, muitos filmes classe B se tornaram clássicos, e entre eles o exemplo mais notório é, sem dúvida, Casablanca, dirigido por Michael Curtiz. Considerado classe B com elenco classe A, Casablanca ganhou a reputação do filme feito para cumprir contrato, e o estúdio deixou em paz a produção, filmada totalmente lá dentro, com exceção de apenas uma cena, e rodado em relativo curto espaço de tempo.

Filmes classe B se tornaram, e ainda são, “cult” para muita gente. Enquanto que hoje nós podemos nos dar o luxo de colecionar e assistir um filme destes em qualquer momento, naquela época o cinema poeira era a opção de reprise mais viável. E, desnecessário acrescentar, com preço de ingresso muito mais baixo, em relação às principais cadeias de exibidores.

 A classificação de um cinema como “poeira”

A denominação “cinema poeira” é de origem popular e até hoje eu sou um que desconheço de onde ela veio. É mais ou menos a mesma situação de uma anedota que um amigo seu lhe conta, que ouviu de outro, e assim sucessivamente, sem que ninguém saiba de onde a anedota partiu ou quem a criou.

No entanto, a classificação de uma sala exibidora como “poeira” seguia critérios bastante distintos:

1. Os assentos eram de madeira.

2. Ausência de ar condicionado.

3. Tela sem cortina.

4. Aparelhagens de projeção arcaicas (35 ou 16 mm).

No âmbito da Tijuca (Rio de Janeiro), já comentado aqui na coluna, o antigo Cinema Tijuca, conhecido como “Tijuquinha”, foi o principal poeira, bem no coração da Praça Saens Peña. Logo ao seu lado, estava o luxuoso e moderno Metro-Tijuca, então o contraste era inevitável.

O Tijuca vivia cheio, apesar da falta do ar condicionado. A projeção era bastante decente, e quem não tinha recurso para ver o filme nos cinemas lançadores, bastava esperar uma semana e o filme entrava no Tijuca. Quando ele fechou, foi aberta uma loja com o nome de “Tijuquinha das Frutas”. Irônico, não é não? E hoje, quem passa pela Praça, basta olhar de frente as Lojas Americanas: a entrada da direita era onde ficava o Tijuquinha. O nome Cinema Tijuca, entretanto, ficou: quando o grupo Severiano incorporou e reformou o antigo Eskye-Tijuca, o cinema foi rebatizado como “Tijuca”, com aparelhagem Incol 70/35, inclusive.

Nos arredores da Praça Saens Peña, outro famoso poeira era o Santo Afonso, cinema onde o advogado e dono da réplica do Metro construída em Conservatória, Ivo Raposo Jr., militou como operador, desde épocas remotas de sua adolescência. O Ivo, como ele mesmo me contou, saía do Colégio Batista, e ia trabalhar na cabine do Santo Afonso, e lá viveu uma história muito parecida com a do menino Totó, de Cinema Paradiso, obrigado a cortar cenas impróprias dos filmes exibidos. É que o Santo Afonso pertencia aos padres da Paróquia do mesmo nome. Um deles assistia o filme, e mandava o operador retirar o rolo e cortar a cena na coladeira, coisa que o Ivo fez muitas vezes. O seu depoimento mais detalhado foi publicado como parte do projeto Planetary Projection, da Editora canadense Caboose.

O interessante é que o porteiro do Santo Afonso ficaria conhecido dos meninos da rua como aquele que fazia vista grossa para a nossa entrada em filmes proibidos para menores de 18 anos. Assim, quando alguém descobria alguma coisa interessante passando por lá, e impossível de se ver em um cinema de cadeia, a turma comprava inteira (o ingresso era muito barato) e entrava no cinema na maior cara de pau deste mundo.

A censura sempre foi pudica. Amor, Sublime Amor, por exemplo, era proibido para menores de 16 anos, por causa do tema “gangues de rua”. Eu tinha 15 anos quando o filme abriu no Madrid, e só entrei porque o porteiro não viu direito a minha carteira de estudante!

 A paródia inglesa dos cinemas poeira

Um filme curto, hilário e bem dirigido, “The Smallest Show On Earth”, tem no elenco Peter Sellers, em um dos seus melhores trabalhos, e atores competentes, mostrando o confronto público entre um cinema de luxo e um poeira.

A ideia do roteiro é muito simples: o personagem herda um cinema antigo de uma cidade pequena do interior da Inglaterra, herança do tio que ele mal conheceu. Chegando lá, e não conseguindo um preço justo para venda, resolveu reabrir o cinema, para atiçar a cobiça do concorrente.

Peter Sellers faz o papel do projecionista, mas um homem com idade suficiente para lidar com os projetores do início do cinema sonoro. Quando o trem passa na estação ao lado do cinema, a aparelhagem balança toda e Sellers é obrigado a abraçá-la, para não desabar tudo:

Exagero? Nem tanto. O filme segue com cenas hilárias, da plateia se divertindo com as falhas de projeção. É que no cinema poeira (chamado pelos ingleses de “flea pit” ou “poço de pulgas”) tudo é permitido, e quando a bagunça acontecia e tomava proporções exageradas, aparecia o lanterninha para colocar os recalcitrantes para fora.

Digno de nota, o cinema do filme inglês tem o nome de “Kinema Bijou”, com “K” mesmo, seguindo as raízes da palavra grega, que significa “(imagem) em movimento”. Os europeus guardaram a tendência de chamar sala de cinema como “Cinema”, com a troca do K pelo C, como nós também fizemos. Por isto, não é de se admirar que o termo “Home Theater” seja também chamado de “Home Cinema” pelos fabricantes europeus.

 Klaatu barada nikto!

Um filme classe B que eu adoro, e recomendo para quem ainda não viu, é o clássico “O Dia Em Que A Terra Parou”, magnificamente dirigido por Robert Wise. Aliás, quando Wise foi convidado para dirigir o primeiro Star Trek do cinema, muitos ficaram espantados, por causa da fama do diretor em filmes musicais (Amor Sublime Amor, A Noviça Rebelde e outros). Mas, acontece que a experiência no gênero ficção científica do diretor tinha precedência e, não por acaso, alguns anos antes Robert Wise havia dirigido “O Enigma de Andromeda”, primeiro filme escrito por Michael Crichton, que depois escreveu “Jurassic Park”.

O filme de Wise não é somente uma obra de ficção científica elegante, ele é também um discurso contra atos de violência e autodestruição da humanidade, protestando, neste caso, contra o uso da energia atômica para fins destrutivos. Tudo isto, em 1951, pouco tempo depois, relativamente, da saída do planeta da segunda guerra mundial, quando então muitas lições a este respeito já deviam ter sido aprendidas. Mas, não o foram até hoje, o que torna este filme extraordinariamente atual.

“Gort, Klaatu barada nikto!” é o apelo repetido por Patricia Neal, no personagem Helen Benson, ao robô Gort. A frase, como era hábito em Hollywood naqueles tempos, nunca foi traduzida nem comentada pelo autor do roteiro e criador da linguagem alienígena Edmund North, tendo sido alvo de interpretações de fãs e outros exegetas pelo mundo todo. North teria dito ao historiador Steven Rubin que a frase significaria “Há esperança para a terra, se os cientistas puderem ser alcançados”. Mas, quem assiste ao filme nem precisa de tradução. A frase alerta Gort que ele não deverá tomar qualquer atitude de represália e destruir o planeta, por conta da prisão de Klaatu, o alienígena.

O Dia Em Que A Terra Parou é o filme de eleição para a gente preparar a pipoca, se sentar na sala e deixar o tempo correr. É o epítome do que o cinema como diversão representa para todos nós.

E se hoje nós não temos nem chance de ir ao cinema poeira da esquina para vê-lo, basta recuperá-lo em DVD ou Blu-Ray. O filme foi recentemente restaurado, e até mesmo a edição em DVD é ótima para uma sessão em casa.

Texto e imagem reproduzidos do site: webinsider.com.br

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